quinta-feira, 2 de junho de 2011

Capítulo O1 — Suco de Cenoura — Parte O2

     — Mas ele disse exatamente essas palavras?
     — AHAM! — berrei, apesar dela estar na minha frente.
     — E porque não foi se sentar com o seu namoradinho então?
     — PORQUE EU VOU SURTAR SE FOR! OLHA COMO EU ESTOU! — bati com as mãos na mesa, um sorrisão no meu rosto. — Ele me quer! Eu disse que ia acontecer, haha. — senti meu sangue esquentar e então percebi que pela milionésima vez Nattalie olhou para a mesa dele. — Ele tá olhando pra cá? Ele tá olhando pra mim?
     — Não. — ela falou bem rápido. Virei o rosto e então vi ele olhando pra frente e conversando com o Nichollas. — Você acha mesmo que ele quer ficar com você?
     — CLARO QUE QUER! — fiz uma cara de sofrimento. — Mas eu posso ter entendido errado, quero dizer, ele pode muito bem estar apenas querendo ver um filme com uma amiga e... — parei de falar e abaixei o rosto no mesmo momento, me concentrando nas batatas fritas. Rebecca havia saído da fila e estava vindo na nossa direção com a cara fechada. Quando ela se sentou, pareceu não ter percebido nada do silêncio momentâneo.
     — Vadia. — disse bem baixinho. Levantei o olhar, e percebi que Nattalie havia feito o mesmo.
     — Como é que é? — perguntou Nattalie. Rebecca sorriu com aquele sorrisinho eu-sou-pura-mas-dou-a-bunda.
     — Você me ouviu. A sua amiguinha aqui é uma vadia. — meu queixo caiu.
     — Eu? P...
     — Porque você me roubou o Lucca. — ela disse calmamente, me interrompendo. Ergui uma sobrancelha.
     — Gosto dele a mais tempo que você.
     — E eu com isso? Conheci minha mãe a muito mais tempo que vocês duas, mas não vai ser por causa disso que vou ser melhor amiga dela. — senti minha cara se transformando num ponto de interrogação.
     — Quer dizer que voltei a ser sua melhor amiga? — perguntou Rebecca.
     — O que isso quer dizer? — perguntei quase ao mesmo tempo.
     — Quer dizer, que acho que não quero mais me sentar aqui.
     — Então se levanta. — provocou a outra, encarando a menina com bastante malícia, antes mesmo que essa tivesse tempo para pensar.
     — Se é o que vossa majestade deseja... — e se levantou bem rápido, segurando a bandeja e dando alguns passos para longe da mesa. Um, dois, três. O tropeço foi tipo em câmera lenta, com um gritinho que fez todo mundo virar para ver o que era. De repente a blusa da menina parecia self service de pobre, com feijão, batata frita, carne estranhe e arroz gosmento. Ah, calma, eu quis dizer cantina da escola. Bum, todos começaram a rir após três segundos. A menina se levantou confusa e então ficou vermelha e depois pálida, correndo para fora da lanchonete no mesmo instante.
     — Bem feito... — falou baixinho Nattalie. A encarei, e nos olhos dela tinham um brilho bem forte, sobrenatural quase. Era o brilho de quando algo ruim acontecia com os outros.
     — Não achei graça, na verdade. — disse, percebendo que apenas eu e a menina não havíamos rido da situação.
     — Mas continua... Vai vestir o que? — prendi a respiração, a encarando assustada. Não havia pensado naquilo, e realmente era a porra de um problema.
     — Vou... pelada? — a menina soltou uma gargalhada.
     — Ele com certeza vai gostar disso.
     — Talvez coloque brilho também pelo corpo, e dance num cano. — falei, o rosto se tornando sério e pensativo.
     — Mas sério, o que vai vestir? — fiquei quieta, refletindo por alguns instantes.
     — Vou de uniforme, porque uso a desculpa de que tive que ir fazer algo antes.
     — Como se masturbar. Meu irmão sempre usa essa desculpa. — fiz uma careta e olhei Nichollas, o irmão gêmeo da garota.
     — E ele é bem dotado? — o olhar da menina brilhou.
     — Mais do que o seu príncipe — sorri com malícia e voltei a me concentrar na comida, agora no pedaço de bife de frango bem passado. Ficamos em silêncio por alguns minutos terminando de almoçar, até que então ela voltou a falar com entusiasmo. — Tenho que ir para a sala, vamos? É química agora. — Fiz uma careta e levantei. Andamos em silêncio, e como minha sala era a primeira logo me despedi da menina loira. Fui em passos lentos até a cadeira e me sentei, dobrando os braços sobre a mesa e abaixando a cabeça neles, tentando dormir. Precisava relaxar, sério. Porém tente relaxar quando a cobra do cara que você está loucamente apaixonada aponta na sua direção. É impossível.
     — Alice? — levantei o rosto, a visão um pouco louca mas logo se acomodando. Lucca estava na minha frente, sorrindo.
     — Oi. — falei com o rosto sério, porém fervendo.
     — Você vai sair comigo? — eu tombei um pouco o rosto para o lado.
     — Vai ser um encontro? — ele sorriu. AAAAAI ELE SORRIU MEU DEUS, meu coração acelerou e seus olhos ficaram lá lindos, azuis, e se tornando apenas meus naquele momento.
     — Só se você quiser.
     — Quero. — Epa, respondi rápido demais. Mas o sorriso dele aumentou, nossa, eu devo estar um tomate, amém para a sala vazia.
     O menino se virou devagar e então foi para o seu lugar, que ficava do lado do meu, com o rosto abaixado para a mesa e sorrindo consigo mesmo. Nossa, isso só pode significar uma coisa: A COBRA DELE QUER ME PICAR! E ele deve estar apaixonado por mim. MAS ISSO É O DE MENOS, O MELHOR SEMPRE É A COBRA.
     Percebi que também estava sorrindo comigo mesma. Percebi que estava feliz.

     É realmente bem difícil se concentrar na sala de aula, quando tem um centro gravitacional do meu lado esquerdo que praticamente me força a olhar para ele. Não que me incomode, adoro aquilo. Porque quando olho, ele já está me olhando. Não parou de me olhar desde que o professor entrou. E isso foi simplesmente a melhor coisa que me aconteceu tipo, desde que... Parei, tentando pensar em outra coisa. Aquilo não... Porra. Senti minha animação diminuir um pouco com as lembranças, mas então virei o rosto e Lucca ainda estava me olhando. Fez tudo ficar melhor, mesmo que superficialmente. Sorri para ele, tentando me concentrar no seu rosto e conseguindo.
     — Vadia... — virei o rosto para frente, praticamente me assustando com a palavra. Rebecca continuava olhando para frente. Suspirei.
     — Inveja é fogo. — ela se virou, reparei que a blusa de agora era um pouco mais curta, pois havia trocado. Queria que ela tivesse alguma banha de fora, mas ela era pior que um palito. A menina jogou os cabelos negros por cima da minha mesa para me irritar. Fiz o que deve ser feito naquela situação: Pressionei a ponta do corretivo no cabelo dela. O grito em seguida foi o responsável pela minha quinta ida do ano para a diretoria.

     — OLHA O QUE ELA FEZ! — berrava a menina, mostrando o cabelo para a senhora lésbica. Digo, diretora lésbica. Digo, diretora Lesban. Mas não se deixem iludir, a gente não faz piadinha com o nome dela. Ela é casada com uma mulher de 28 anos bombada e machona. Apesar de ela ter 46. Mas amor não tem idade, não é? Nem sexo.
     — Alice, você admite ter feito isso? — fiz que não, com cara de inocente. Rebecca guinchou.
     — SE NÃO FOI ELA FOI QUEM? O DUENDE DO CORRETIVO?
      — Bem provável, ele costuma atacar nessa época do ano. — falei em sarcasmo. A diretora encarou bem séria.
     — Alice, você precisa ter mais cuidado com os seus pertences...
     — QUE TOM CALMO É ESSE? ELA VAI ESCAPAR DESSA?
     — ... espero que isso não se repita, pois não é o primeiro incidente...
     — VOCÊ TEM QUE CASTIGAR ESSA DESGRAÇADA! — berrou a menina.
     — ... deste ano, então, por favor...
     — NÃO NÃO NÃO!
     — ... volte para a sala. — virei o rosto e pisquei um olho para a menina, que tinha o queixo caído.
     — NUNCA MAIS FALE COMIGO SUA VADIA!
     E foi assim que perdi a minha melhor amiga, e ela finalmente entrou no primeiro lugar da lista de suspeitas para a coisa do blog. Olhei o relógio, faltavam vinte minutos para a aula acabar, porém não tinha saco para assistir física. Aí me lembrei que havia deixado os materiais lá. Bufei, indo até a sala 29.

     Nem prestei atenção no resto da aula. Quando terminou levantei e peguei as coisas correndo, indo até o armário. O corredor como sempre estava tumultuado de indivíduos uniformizados e estranhos. Abri a porta do armário, e então um pedacinho de papel rosa caiu.
     "Para a Vadia", disse o verso do pedacinho de papel.  "Tinha razão quando escrevi aquilo no blog da sala, pelo visto. Valeu a pena." Meus olhos se arregalaram e então tapei minha boca com uma mão para não gritar. Era a Rebecca! Eu tinha certeza de que era!
     — Ei... — assustei, virando o rosto e antes mesmo que visse quem era, amassei o papel e o coloquei no bolso. Nattalie parou no lugar em que estava e me encarou. — O que foi? — suspirei aliviada e então fiz um sinal para que ela se aproximasse.
     — Olha isso... — tirei o papel do bolso e a mostrei. A menina demorou uns dois segundos pra raciocinar o que havia feito.
     — Viu quem entregou?
     — Não, mas tá na cara de que foi a Rebecca. — ela fez uma careta.
     — Ela está com raiva de você mas... Mesmo assim... Sei lá. — comecei a fazer que não com a cabeça.
     — Nem te conto o que aconteceu... — comecei a relatar tudo da sala de aula no mesmo instante para a garota. Acabei por guardar tudo e então começar a ir para a saída carregando a mochila com uns poucos cadernos.
     — Não acredito... — disse ela depois de um tempo. O olhar parecia um pouco sério demais, como se preocupado ou realmente não acreditasse.
     — Foi ela. Só pode ter sido ela. — disse rápida e nervosa, percebendo que ainda faltava mais de meia escola para chegar na saída.
     — Ela é uma perua mesmo. Quem faz uma coisa dessas? — levantei os ombros, até que o vi. Loiro, alto, gostoso, viciado em serpentes. Lucca estava parado um pouco nervoso na entrada, olhando na minha direção. Nattalie deu um risinho e apressou o passo. — Depois te vejo amiga... — e sumiu na multidão.
     — Oi... — disse Lucca.
     — Oi...
     — A gente não combinou a hora... — ele falou ficando vermelho. Senti que também começava a ferver.
     — Que tal às cinco?
     — Claro... E um jantar? — perguntou com esperanças. Sorri para ele.
     — Claro.
     — Eu pago. — fiz uma careta.
     — A gente divide.
     — Eu pago.
     — A gente divide. — respondi rápido.
     — Ok, se você quer tanto, eu pago. — e sorriu com aqueles dentes brancos que escondem uma língua que provavelmente deve ser bem suculenta. Mais tarde eu vou ter certeza se é ou não, acho.
     — Eu... tenho que ir... — falei bem baixinho, percebendo que ele havia se movido sutilmente na minha direção. — Mesmo. — apressei. Voltei a andar na direção do estacionamento, ele me seguindo sem dizer nada. Quando finalmente fui entrar no carro ele se aproximou.
     Passo. Passo. Passo. Sorri. Fica corado. Mostra os dentes no sorriso. Mais um passo, parando na minha frente. Se inclina. Se inclina mais. Sinto meu coração parar. Beijo no rosto.
     Fechei os olhos e então senti ele se distanciar. Ouvi os passos do garoto indo até o seu carro e então abri os olhos após bastante tempo. Dei um giro de noventa graus e fui até o meu carro.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Capítulo O1 — Suco de Cenoura — Parte O1

     É simplesmente difícil quando aquela pessoa que uma vez disse que iria cuidar de você para sempre, dá a infeliz notícia de que mentiu. Assim geralmente que as coisas começam a dar errado nas nossas vidas, pois tudo começa a sair do controle de repente e não conseguimos manter tudo em ordem. E então o inferno chega, e o que nos resta fazer se não ajoelhar e rezar? Bem, a resposta para essa pergunta na verdade é bem simples. Suicídio. Não que eu realmente pense em fazer isso, mas é bom me lembrar de vez em quando que existe uma opção. E que essa opção está bem ao meu alcance, em todos os segundos do meu dia-a-dia. 
     Quanto aos outros? Bem, acredito que eu acabaria morrendo algum dia de qualquer forma. Eles irão superar, caso aconteça. Meus pais provavelmente não entenderão e rapidamente dois psicólogos serão precisos para lhes escutar chorar e perguntar onde erraram. Mas os psicólogos não vão poder responder, porque eles não viram esses dois seres me criarem. O que torna tudo mais difícil, pois, independente de que meus pais os contem tudo, isso não será realmente tudo. Será uma parte. Nesses momentos me arrependo de não ser totalmente aberta com eles, de não dizer tudo o que acontece na minha vida. Sei que já passaram por isso, mas mesmo assim, hoje os tempos são diferentes. Humilhar alguém é tão rápido quanto fazer um novo post no blog. Um segundo e meio e a palavra vadia está digitada. A não ser é claro, que você seja um retardado ou a pessoa mais rápida do mundo. Mas isso não faz diferença, de qualquer forma, porque não foi você quem escreveu "A Alice é uma vadia" no blog da sala. O legal é que foi escrito por um computador da escola, no horário do intervalo. Todos são considerados inocentes até que se prove o contrário, mas até lá, todos perderam 4,0 pontos do trabalho que era o blog, menos eu, porque eu não fui quem fiz isso, obviamente. Então todos foram mandados pelos pais para a puta que pariu. Porém não ligo pra isso. Não ligo pra mais nada.
     — Sabe Alice, você é mesmo uma vadia. Nem para defender a gente, falar que, sei lá, era injusto todos perderem os pontos. — sussurrou assim a principal suspeita, aquela garota da sala de aula que não fala com mais ninguém senão com você, a não ser talvez alguns meninos bonitos da escola.
     — Rebecca, eu simplesmente estou pouco me lixando. E você sempre tira 10 em tudo mesmo, seu boletim só tem A. Pela primeira vez vou tirar a maior nota da turma, e bem, isso é um marco histórico.
     — Isso é puta sacanagem. Você ganhou a maior nota porque todo mundo tem um limite menor que o seu para a nota máxima. — eu sorri.
     — E isso é uma pena eim? — ela virou o rosto e prestou atenção no professor de biologia, emburrada.
     Mas sabe, isso realmente não me interessa. Quero dizer, eu liguei o foda-se para o mundo à muito tempo, acho que aqueles remédios têm esse efeito em mim. Não me incomodar com nada, apenas viver independente de saber que tem algo errado. E tem muitas coisas erradas.
     — Vai se sentar com a gente no intervalo? — meus olhos se viraram devagar para o Lucca, desinteressadamente, claro. Porque desse pequeno detalhe? Simples, ele é o cara mais gostoso e mais fofo da escola. Um cabelinho com franja grande sobre os olhos e uns bíceps e tríceps e quadril e... Bem, não preciso comentar que ele também tem um volume bem... am... chamativo. E fora do comum. E anormal. SOBRENATURAL OLHA PRA AQUILO PELO AMOR DE DEUS! Parece uma cobra que está vindo na nossa direção! Se acalma Alice, ele apenas está falando com você porque você é a única pessoa da escola (ou mundo, você escolhe) que não demonstra estar afim dele. E claro que no final eu fico com ele.
     — Claro... Contanto que o Richard não faça aquilo com os palitos de novo... — ele sorriu, os olhos azuis brilhando atrás dos fios loiros perfeitamente desfiados.
     — Eu faço ele se comportar. — virei os olhos de volta para o professor, que ainda explicava sobre mitocordas ou algo assim. O sussurro do Lucca veio bem baixinho, porém tenho certeza de que um monte de gente ouviu. — O que vai fazer hoje a noite? — gelei, porém calma, calma, respira, isso, um, dois. Epa, ele está esperando a resposta. Fecha os olhos calmamente, abre devagar, isso, tudo bem, agora olha ele com malícia e um sorrisinho. Epa, sorri que nem retardada? Não sei. Nossa, minha bochecha tá ardendo. Calma, calma.
     — Vou para o cinema... — minha voz saiu normal, amém. Voltei calmamente a atenção para o professor.
     — E quem vai com você? 
     — Ninguém. — respondi bem baixinho. — Só gosto de ir sozinha ou para pegar meninos no escuro. — quatro pessoas me encararam, os olhos bem arregalados. Platéia para o meu momento de brilhar, ha.
     — Posso ir então? — UMAS DEZ PESSOAS SE VIRARAM. O PROFESSOR TÁ ME ENCARANDO MAS E DAÍ? SUSPENSÃO VALE AQUELA BOCA.
     — Posso te responder depois? — perguntei, sabendo que tinha ficado bem vermelha e que ele notou. Porém tinha pouco tempo pra ocultar a vergonha, já que na minha cabeça eu havia pulado em cima da mesa e fazia a dancinha do vou-pegar-ele. 
     — Senhorita Piacci, tudo bem? — sorri para o professor, sem responder. O homem continuou me encarando. — Posso continuar a dar a aula?
     — Claro, meu pai pagou para isso não foi? — ele bufou, todos os alunos faziam as mesmas tiradas para aquelas perguntas. Um colégio com mensalidade de $32OO,OO tinha seus privilégios. Ele se virou e então continuou a falar das cartas. Cordas? Deu branco.

terça-feira, 31 de maio de 2011

14 de Setembro. 10h45min

     Talvez realmente tenha sido eu quem tenha feito tudo aquilo. Não conscientemente, digo. Quem sabe uma força das trevas não tenha se apoderado de mim e então utilizado da pior magia negra para que tudo aquilo acontecesse?
     A psicóloga da escola ainda me analisava calmamente, anotando de vez em quando as expressões que apareciam no meu rosto, já que esse era todo o material que conseguia a dar. Desde que ela cogitara a idéia de que eu poderia ser bipolar, um monte de idéias confusas começaram a aparecer. E desde então calei a boca, e fiquei ali refletindo. 
     — E então, Alice? — pisquei os olhos e a fitei. — É uma possibilidade?
     — Sim... — respondi bem baixinho, porém ela com certeza havia ouvido.
     — Bem, infelizmente teremos que fazer alguns exames para comprovar o diagnóstico. Como a maioria dos... incidentes... ocorreram após o sol se por, acredito que deveríamos gravá-la dormindo ou algo assim. — Fiz uma careta.
     — E a minha privacidade? — a mulher sorriu, abaixando a prancheta mas mesmo assim não consegui ler nada que ela havia escrito.
     — Não se preocupe com isso. — bufei, cruzando os braços e fechando as pernas. Ela voltou a escrever calmamente, sem voltar com os olhos para a minha direção.
     — Posso ir agora? — A psicóloga sorriu e levantou os olhos. 
     — Sim, pode.

     Para começar, aquilo parecia ser tudo muito sem sentido. Pra que eu mataria meu gato? Será que subconscientemente eu o odiava e não havia percebido isso ainda? Ou talvez ele realmente tenha morrido de morte natural. Talvez. Continuei a caminhar devagar, na direção do meu armário e então o abrindo quando chego. O corredor inteiro estava vazio, o que era uma coisa boa, já que ainda faltavam alguns minutos para o sinal do intervalo bater e as pessoas saíssem para a cantina. Seria a primeira da fila pela primeira vez na minha vida! Isso era tipo um marco histórico para mim ou algo do tipo. Poderia escolher a mesa que quisesse para sentar, inclusive a mesa dos populares. E acho que é isso mesmo o que vou fazer.
     Fechei o armário com um baque, após guardas os livros e cadernos que não iria mais utilizar e fui correndo até a lanchonete, tendo a felicidade de constatar que ela realmente estava vazia. Fui até a fila e então a mulher da cantina me encarou com aquele olhar de o-que-você-está-fazendo-aqui.
     — Estava na psicóloga. — a mulher tentou encontrar alguma prova de que estava mentindo, mas não conseguiu. Peguei um sanduiche de peito de peru, um suco de laranja que ainda estava gelado e... Meus olhos se arregalaram. Pizza! Pizza! PIZZA! Corri até o local, me esquecendo de que estava sozinha e pedi seis pedaços bem gordos, que a mulher loira com a toquinha bem estranha graças à uma estranha força paranormal fez. Então veio a melhor parte, aham. Paguei as coisas e então fui até a mesa número sete, também chamada de a-mesa-dos-populares. Quando me sentei praticamente senti um poder tomando conta de mim, e foi aí que o sinal tocou. Demoraram quinze segundos até que as portas se abrissem e um monte de cara altos que saíram da educação física entrassem correndo. Beatriz Karph veio logo atrás, despreocupada, até que seus olhos me encontraram por acaso. E ela ficou paralisada. Pisquei um olho e então o abaixei, ao mesmo tempo em que o segundo grito histérico do ano aconteceu. Infelizmente não saindo da boca daquela morena estúpida.